Mensagem de Monteiro Lobato

Nada de imitar seja lá quem for. (...) Temos de ser nós mesmos (...) Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir.

domingo, 22 de janeiro de 2012

CAPÍTULO TRÊS

    Marcos estava tão desacreditado no que a vida tinha lhe reservado, tão irritado e tão decepcionado, que nada mais lhe importava. Não existia mais senso de julgamento e a inocência havia esvaído de sua cabeça. A dignidade que havia juntado em sua vida não lhe serviu de nada até agora. Estava chateado e quis jogar tudo pro ar.
 
  Foi rejeitado pela sociedade por um preconceito, por um julgamento precipitado de pessoas que não conheciam sua vida. Sua família o abandonou por um motivo tão ínfimo, tão pequeno. Todos tão medíocres! A vida de um michê não devia ser menos honrosa do que a sociedade em que foi escarrado do ventre de sua mãe, não devia ser menos monstruosa do que as garras do pai lhe tirando sangue do rosto, ou menos dolorosa do que ver sua mãe gritando de dor ao apanhar ou menos chocante do que ver o chão ruir aos seus pés quando foi expulso de casa.
    Não tinha outra roupa, seria aquela mesmo. Tirou sua camiseta e deixou a mostra sua barriga, modelada, que devia satisfazer o prazer de mais monstros nojentos. Caminhou alguns quarteirões, encontrou uma esquina onde tinham alguns travestis e prostitutas. Ficou parado em uma esquina, até ser abordado por uma mulher, de seios fartos, vestida com uma saia curtíssima e uma camiseta menor ainda, branca quase transparente que deixava mais do que explícito a cor vermelha de seu sutiã.
    - Qual é a tua novato? Acha que é só chegar e vim pegar o lugar dos outros?
    - Desculpe, eu não sabia que tinha alguém nessa esquina. Posso procurar outra.
    - O que te trouxe até aqui? – Ela mascava compulsivamente uma goma de mascar, com a boca a boca aberta, era agonizante.
    - Muitas coisas...
    - Eu tenho duas filhas pra dar comida e teto, depois da doença ninguém mais me aceitou em lugar nenhum pra trabalhar... – Ela se mostrava pensativa. – Na verdade, ninguém quer contratar uma prostituta pra nada.
    - A vida é uma caixinha de surpresar hein. Minha vida virou do avesso. Não tenho mais nada. Teto, família, dinheiro, amigos... Tudo isso, porque minha família descobriu algo de mim, ao qual considero um mero detalhe.
    - Sua primeira vez nisso?
    -Sim.
    - Se quer um conselho: caia fora enquanto pode. Homens ganham ainda menos que nós. Essa vida envolve muitos riscos.
    -Obrigado pelo conselho, mas não tenho alternativa.
    -Olha garoto, você não pode ficar aqui, mas fui com a tua cara. O primeiro que aparecer é meu, depois, pode usar o ponto até eu voltar.
    - Sério? Muito obrigado! Mesmo! – Os olhos de Marcos brilharam com a oportunidade.
    - Não se acostume. Não sou de fazer favores. – Ela estendeu a mão esperando um aperto. – Rebeca.
    Marcos retribuiu. – Vini. – E balançaram para cima e para baixo as mãos na noite quente e sem ventos, numa noite sem esperanças.
    Conversaram mais alguns minutos, Rebeca deu alguns conselhos sobre o que fazer e o que não fazer. Nesse tempo inúmeros carros passaram, assoviando, tirando sarro, pronunciando dizeres sujos. Ela parecia acostumada com isso. Em mais cinco minutos ela conseguiu um cara, e saiu. Marcos, agora Vini, ficou sozinho, desfilando seu corpo pela rua sombria esperando alguém salvar sua alma. Caro amigo... Aqui o que encontrará será somente a prisão dela...
    Passaram-se dez minutos, Vini esperava por uma mulher, mas sua ingenuidade o traiu novamente. O carro que parou, era um Brasília bege, e dentro, um senhor que aparentava ter uns sessenta anos, gordo e sujo.
    Vini se debruçou sobre o vidro que foi abaixado. – Oi!.
    - Quanto, delícia? – Ao proferir palavras nojentas, no abre e fecha da boca, percebe-se que um de seus dentes lhe falta.
    - Vinte, uma hora.
    - Entra.
    Vini entrou, a porta emperrou para fechar, mas conseguiu. Dirigiram para um motel.
    Era a primeira vez de Marcos, que dizer, Vini. O que deveria ser um momento mágico seria, além de doloroso, traumático. Foram cinqüenta minutos de palavras vulgares, gemidos e gritos em um quarto de motel barato. Na hora da despedida, confusão.
     O velho que o havia levado, o deixou no ponto, mas na hora de pagar, disse que não havia tido prazer, e que o garoto não tinha feito o prometido. Discutiram, estapearam-se. As prostitutas da rua se mobilizaram, descobriram o que estava acontecendo. Uma pegou o telefone e discou para a polícia.
    O som do giroflex quase não se ouvia no meio de tanta baixaria. Os dois foram lavados à delegacia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário