Mensagem de Monteiro Lobato

Nada de imitar seja lá quem for. (...) Temos de ser nós mesmos (...) Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir.

sábado, 21 de janeiro de 2012

CAPÍTULO DOIS

Ele não sabia o que fazer. A simplicidade e pureza eram notoriedade em sua personalidade emocional do coração. Não teria coragem de denunciar seus pais à polícia, e decididamente não queria passar sua vida em um abrigo ou, se a justiça existisse, em um centro de adoção, não queria ser adotado por outras pessoas. Queria apenas que essa sensação de sofrimento e dor passasse. Queria sossegar um segundo nesse turbilhão de dor. Precisava de dinheiro, queria saber como é a sensação de estar alcoolizado, como frequentemente via seu pai, embriagado, dando pancadas em sua mãe. Não queria ser um espelho dele, longe disso. Só queria desligar-se da vida por alguns momentos.
         
   Verificou em seus bolsos se tinha alguma moeda que fosse. Não encontrou nada além de setenta e cinco centavos. Lembrou do lugar onde sempre refazia seus pensamentos: a praça. Existiam muitas praças em São Paulo, mas a que ele tinha lembranças de quando era pequeno se divertindo, rindo, brincando, era a praça da mansão, como era chamada. Gastou a sola do seu sapato velho e foi até lá.
            No velho banco da praça, desatou a chorar. Chorou compulsivamente, sem medo ou vergonha de quem passasse. Até que toda a dor anestesiasse. Conseguiu refletir, decidiu procurar emprego, antes que suas roupas se tornassem sujas, antes que seu corpo fosse impregnado pelo mau cheiro da rua, de quem não em um teto e chuveiro para se banhar.
            Dentro da mansão, debruçado sobre livros do colégio mais bem quisto da cidade, tentava se concentrar um garoto magro, com os cabelos loiros jogados na testa, mas aparados assim que chegassem às sobrancelhas. Era a terceira vez que se desconcentrava dos seus estudos olhando um garoto que sentava sempre no mesmo banco, chorando.
            Marcos levantou, enxugou as lágrimas, foi ao banheiro público lavar o rosto com água bem fria. Voltou rapidamente e começou a jornada. Havia um mercado do outro lado da rua da praça, entrou para tentar a sorte.
            O mercado era pequeno, dois caixas, e ao que aparentava, faltavam funcionários para empacotar os produtos. Chegou ao primeiro caixa de perguntou ao atendente.
            - Posso falar com o dono?
            - Do que se trata?
            -Bem, eu notei que estão faltando funcionários para empacotar os produtos, talvez meus serviços sejam úteis.
            A atendente clicou em um controle pendurado no monitor do caixa, e um bip foi emitido. A luz do caixa ficou acesa. Aguardaram o dono.
            -  Pois não? – Olhou com desdém o dono ao garoto.
            - Eu vim oferecer meus serviços ao senhor, pois notei que lhe faltam funcionários para empacotar os produtos.
            - Para um andarilho, você até que fala bem garotinho – E caiu na gargalhada. – Mas, infelizmente não contratamos indigentes para nos saquear. Por favor, saia daqui!
            - Eu não sou mendigo, só estou procurando um emprego.
            - Eu o vi dormir algumas vezes aqui na frente mesmo garoto, agora, saia daqui ou vou chamar o segurança. – O dono do mercado aparentava ira quando apontou com o indicador para a rua. – não queremos gente da sua laia por aqui, nem seus amiguinhos drogados.
            - Que amiguinhos? Drogados? – Marcos estava incrédulo com a situação em que apenas a aparência o meteu, não acreditava que por dormir na praça alguém o julgaria tanto, e tão pejorativamente. – Desculpe senhor, mas deve haver algum engano. Não conheço ninguém aqui nessa praça.
            - Segurança! Aquí! – Olhou para o homem de terno preto que estava na porta de entrada – Tire esse mentiroso daqui, agora!
            O homem o agarrou pelo braço, e ao meio de gritos de “me solta, eu não fiz nada!” e “eu só vim pedir um emprego!” o garoto foi jogado para fora do mini-mercado, que aparentemente estava bem protegido. O que não deixa de ser uma vantagem nos dias insanos de hoje. É... Realmente insanos.
            - Caia fora daqui garoto – disse o segurança largando o braço do menino. – E vê se não me arruma mais confusões.
            Levantando-se da calçada, limpando sua calça, saiu da frente da loja, procurando evitar maiores confusões. Não conseguia acreditar no que acabava de acontecer. Mas sua ingenuidade o fisgou novamente. Acreditou ser mero acaso, que o homem estava preconizado com algum recente assalto por mendigos, e isso justificaria o segurança contratado para um mercado tão pequeno. Decidiu continuar. Naquela mesma rua, visitou onze estabelecimentos. A padaria, a locadora, a farmácia, a barbearia, a loja de brinquedos, uma lan-house, outro mini-mercado, a sapataria, o estúdio de tatuagem, a loja de móveis e uma chopperia. O resultado? Tirado a força como no primeiro mercadinho em três lugares, dois se recusaram a atendê-lo, quatro apenas lhe disseram não secamente, e outros dois riram loucamente como se aquilo fosse uma piada fenomenal. Marcos estava derrubado, desacreditado e humilhado. Estava anoitecendo, quase desistindo e procurando o banco para chorar mais uma de suas dores, tomou uma decisão drástica: o sol se foi, vamos usar e aproveitar a noite!

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