Mensagem de Monteiro Lobato

Nada de imitar seja lá quem for. (...) Temos de ser nós mesmos (...) Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

CAPÍTULO SETE

            Ouvir aquela história foi realmente magnífico para Marcos. Criou energia do caos. Estava prestes à ter alta, estava empolgadíssimo em ajudar aquela família honrosa na loja, e reconstruir sua vida... Talvez a dor e o sofrimento que teve, não sejam mais do que o crepúsculo que precede uma estabilidade momentânea, os raios solares que acariciarão seu ser. Talvez não seja mais do que a preparação para a vida; crescimento...
          
  A noite veio sem demora, Marcos não conseguia dormir, estava muito animado para isso. Seus pensamentos viajaram num mundo novo, na premissa de uma vida diferente da que teve. Deu voltas e voltas nesse mundo novo, mas não demorou mais de uma hora nesse passeio, sua mente se focava no garoto do sonho... Relembrava sua figura jovial, sua pele branca, expressão serena e daquilo que somente encontramos em sonho, um devaneio apolíneo. Mas a pulga atrás da orelha, era a sensação Déjà vú de já tê-lo conhecido. Onde? ... Onde?...
            E nesse questionamento fatal, adormeceu, naquele leito de hospital do qual já não mais aguentava deitar, banhado naquele cheiro de formol que contaminou o hospital, teve a noite mais bem dormida até então.
            -Bom dia! – Como dormiu? – A enfermeira parece muito mais aliviada hoje, cheia de vida.
            - Posso te garantir que foi a melhor noite desse hospital, ou talvez da minha vida!
            - Que bom te ver assim, alegre!
            -Sabe o que eu acho mais engraçado? Nesses últimos dias, conversamos tanto enquanto esteve aqui; aproximamo-nos tanto, e não sei nem o seu nome! (risos)
            - Verdade Marcos... Até te convidei para morar comigo, e não me apresentei. Perdão... – Cumprimentou-o com a mão – Lúcia.
            Marcos retribuiu o gesto. – Como sabe meu nome?
            - Sou sua enfermeira. Tenho privilégios (risos).
            Os dois caíram na gargalhada. Marcos sentia muita simpatia por ela. Simpatia essa que não sentiu nem mesmo em anos com seus colegas de aula. Sentiu que não haveria motivos para não contar o motivo de ter saído de casa. Na verdade, não compreendia porque não contou antes. Talvez o medo. O exemplo que teve ao falar sobre isso em casa em tom de normalidade destruiu seu patamar físico e emocional. Não saberia até onde iria esse tipo de preconceito.
            - Sabe... Lúcia. Eu estranhei você ter deixado uma brecha passar...
            - Que brecha?
            - O motivo de meu pai ter me expulsado de casa.
            - Da forma que você o pintou para mim; ele é um monstro em figura de pensamentos humanos. Não perguntei por respeito a essa ferida.  Apesar de termos tomado intimidade tão rapidamente, existem coisas que somente o portador de tal coisa é que tem o direito de dizer, quando sente essa necessidade. Mas, relembrando, a figura que você me fez de seu pai; qualquer motivo que vá contra os alicerces de seu pequeno e medíocre pensamento, é motivo para emancipação e da forma que ele te tirou de casa. Não estou dizendo que concordo com isso, por favor! Apenas digo que não quis invadir seu espaço.
            - Para mim, não é segredo algum. O choque foi a reação dele sabe. E a inércia da minha mãe. Ele me tirou de casa por que sou gay.
            - O que?! Não, um segundo, por favor. Seu pai te bateu e tirou de casa por causa disso?! ... É incrível como existam pessoas tão pequenas nesse mundo.
            - Exatamente. Para mim sempre foi algo decidido. Já namorei meninos na minha escola, e até tinham alguns garotos que ficavam impressionados e tinham certa aversão, mas eu pensava que era coisa de imaturidade, entende? Sempre fui ingênuo em algumas coisas, não burro, ingênuo em pensar que as maiorias das pessoas são como eu, racionais no mínimo sabe. Eu não posso dizer que sempre o amei, porque o que ele faz com mamãe; é brutal. E nunca houve um amor representado em formas de gestos, além dos gritos que ele me dava. Mas me elogiava com as notas da escola, quando fazia alguma coisa boa. Ele não é de todo mal. Mas quando bebe, vira outra pessoa; ou talvez a que ele é e esconde... Meu erro foi ter nunca acreditado que para alguns, a pessoa para a qual destinamos nosso amor, é importante para elas...
            - Ninguém é de todo mal... Mas, realmente, precisamos estar atentos com as pessoas. De nada adianta tanta evolução vestida com donaire, se a mente é enfezada demais, primitiva demais...
            - Da parte do meu pai, hoje eu compreendo o machismo entranhado no seu ser, e preocupado com o que eu faço, segundo seu pensamento. Mas as outras pessoas.... Os colegas de aula, o que tem haver com isso? Se eu amo outro menino, o que vai diminuir no seu atrofiado cérebro machista? A sociedade nos espelhou com más regras comportamentais. As mudanças psíquicas são muito lentas. Por exemplo, os maus tratos aos animais. Uma geração á trás, era bonito gabar-se de que matou algum animal, em caçadas, por exemplo; hoje existem várias repressões à esses atos, mas, o pensamento raquítico continua em muitas pessoas. O que quero dizer com isso, é que, os maus tratos com os animais, por exemplo, saíram do fato: maus tratos, para uma teoria, hoje, onde existe uma linha de pensamento modista. Para a práxis, é necessário vir mais gerações, e os que acham bonito os maus tratos estarem mortos, pois as próximas gerações virão na era em que o pensamento de zelo e dignidade animal é o correto, e irão se acostumar com isso, tornando-se uma verdade. O mesmo eu digo com relação à homossexualidade. Mas isto está tão entranhado, tão emaranhado nos pensamentos, que serão necessárias muitas gerações para tirar essa “verdade” e vir a ser comum, afinal, a igreja católica, por exemplo, é uma rede de contaminação que não se deixa morrer.  Nós, homens, somos quase que exclusivamente reflexos de vidas anteriores. Reflexos de pensamentos que ficaram aqui, na nossa sociedade. Mas cada pensamento e cultura são diferentes em cada região, então estamos nas mãos da sorte, dizendo em que cultura e era cairemos. Depende também da nossa personalidade e vontade de descobrir, de pensar e refletir nossas ações. E, além disso, ou talvez um reflexo disso, dependemos dos pensamentos dos livros que lemos, dependemos dos pensamentos dos colegas que convivemos. E principalmente do nosso raciocínio, para processar tudo isso, e escolher o pensamento, cultura e idade mental. Se não somos reflexos, o que me diz das pessoas que convivem com animais e tornam-se selvagens?
            - Meu Deus! – Sua resposta foi intercalada com calorosos aplausos e estridentes, que só cessaram quando pensou nos leitos vizinhos reclamarem sobre algo ali. – O que aconteceu com sua ingenuidade? Para dezesseis anos garoto, você precisa conhecer a filosofia e outros ramos. Você pensa!
            - Nosso cérebro trava uma briga constante entre a consciência e o inconsciente; racional e irracional. O que sobra dessa guerra constante; é o que chamo de consciência. Às vezes nos surpreendemos com o que sabemos e nunca pensamos.
            -É de pessoas assim, pensantes, que acredito que o mundo precise. Nós precisamos nos conhecer melhor. Sua estadia na minha casa nos fará muito bem. – A enfermeira Lúcia deu-lhe um abraço caloroso e tapinhas nas costas. – Você tem futuro meu amigo, se não matar seu ser desbravador.
            -Acho que o descobri agora, conversando contigo.
            -Então temos de explorá-lo e conservar!
            - Eu estou em êxtase! É como se um choque me tivesse sido dado. Sempre tentava compreender melhor o meu pai, mas, conversando contigo, agora; parece que tudo se resolveu na minha cabeça!
            -Vão me matar! Nosso tempo foi três vezes maior do que posso ficar aqui. Vou indo. Mas temos muito que conversar!

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