Mensagem de Monteiro Lobato

Nada de imitar seja lá quem for. (...) Temos de ser nós mesmos (...) Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

CAPÍTULO QUATRO

Os policiais se divertiam com aquela confusão, tiravam sarro e chegaram a filmar. Usavam de palavrões e palavras ofensivas aos dois. Para se divertirem, mandaram os dois passar a noite em uma cela onde tinham mais dois presos.
  
O corredor era escuro, quase interminável. Estranho para uma delegacia. O alvoroço entre os presos foi inevitável. O policial ria ao encaminhar os dois a cela. Pegou o molho de chaves da sua cintura, procurou e encontrou a chave, abriu, jogou os dois lá dentro.
    - Boa noite amiguinhas! – Trancou e saiu rindo, se deliciando com aquilo.
    No meio da noite, acordou com gritos de dentro das celas. Foi verificar o que era. Todos gritavam: “preso ferido!”. Chegando lá, notou que um dos que havia colocado no começo da noite estava ferido, fora esfaqueado. O mais novo.
    O encaminhou à enfermaria da delegacia. A enfermeira o informou que o corte havia perfurado uma das artérias, que havia colocado um pano para estancar provisoriamente o ferimento, mas havia chances de hemorragia interna. Uma ambulância para levá-lo ao hospital era imediatamente necessária.
    Por ironia do destino, o policial percebeu o tamanho da barbárie que tinha feito ao colocar aquele menino numa cela onde estava um homem preso por matar a mãe e filha. Discou imediatamente para o hospital, estava transpirando. A ambulância chegou em menos de quatro minutos, e o encaminharam ao hospital. Vini já estava inconsciente.
    Quando acordou, não tinha noção de tempo. Sua cabeça doía muito, era uma sensação horrível, como que quando acordamos de um pesadelo dentro do sonho e descobrimos que ainda estamos sonhando dentro do pesadelo, e ele continua, mas não conseguimos acordar, mesmo nos esforçando ao máximo. Havia mais quatro pessoas no mesmo quarto. Duas inconscientes, uma com uma faixa na cabeça, o rosto mutilado, metade do nariz havia sumido, outra estava com o braço amputado, e quase todo o rosto queimado. Estava na UTI.
    - Bom dia. – Uma enfermeira gorducha, com feição antipática e de poucas palavras - você teve uma hemorragia interna, quase não o salvamos a tempo, precisamos de muito sangue para transfusão. O corte provocou uma infecção generalizada e é por isso que está aqui. Se tudo ocorrer bem, a tarde poderá ser transferido para um leito comum. – Enquanto isso foi trocando alguns soros, refazendo curativos rapidamente e outras coisas necessárias. Terminou tudo rapidamente e se dirigiu a outro paciente.
    - Meu Deus! Que merda! – Se apoiou na cama e tentou sentar. A enfermeira interveio.
    - Deitado garoto! Não pode sentar. – Num movimento seco o fez deitar novamente na cama. – Não se comporte como uma criança, eu não costumo ter paciência.
    Cedeu, acabou deitando. Aquela enfermeira estúpida estava lhe estourando a paciência. Seu corpo ainda doía. Dormiu.
    O céu estava límpido, sem nenhuma nuvem no ar, um azul ofuscante. Marcos estava jogado no chão arenoso, seco, deserto. Não tinha forças para levantar-se, apesar de fazer imenso esforço, nenhuma parte do seu corpo lhe obedecia. No horizonte, uma figura humana se aproximava, e numa tentativa enlouquecida de fugir, Marcos foi traído por seu corpo, que não respondia. Não conseguia gritar. O menino chegava cada vez mais perto, até estar  a dois passos de proximidade. Somente o pavor nos olhos de Marcos deitado no chão quando se encontraram com os do outro garoto se fez perceber.  Aos poucos sentiu seu corpo ser levantado. Mal conseguiu ver o rosto de quem o pegava, mas conseguiu, de relance, visualizar os cabelos loiros do desconhecido e seus olhos verdes. A dor que estava sentindo, passou, e com ela, o medo. O engraçado, é que Marcos foi levado a uma cama, que até então não tinha visto ali, no meio do nada. Foi colocado com suavidade sobre ela, com a cabeça virada para o céu limpo. A dor havia passado, mas os movimentos não voltaram.
    O garoto sentou na borda da cama. – Oi. – E continuou a olhar para Marcos, como um desconhecedor de ate, quem admira uma obra de arte com aquela mescla de agrado e incompreensão. Marcos teve a sensação de já ter visto aquele rosto em algum lugar, não conseguiu lembrar-se de onde. O garoto encostou-se à sua mão, e abriu a boca para lhe dizer algo.
    Anda! Acorde! Está sendo transferido para um quarto comum. – A mesma enfermeira o acordou dando chacoalhadas no seu corpo. Desejava ardentemente não ter acordado, havia tempos em que seus sonhos não eram tranqüilos.
    Seu quarto novo era até que aconchegante comparado ao banco da praça. Até que gostaria de ficar ali por mais tempo, mas tinha que continuar a vida logo. Foi colocado numa cama e havia uma bandeja de comida ao lado da cama. Já podia comer sem ajuda de sondas, a quantidade de sangue já havia sido restaurada. Não sabia quanto tempo estava no hospital, sua noção temporal havia se esvaído.  A nova enfermeira era um anjo de carisma equiparada a outra.  Deu-lhe atenção e até puxou papo. Perguntou sobre sua vida, como havia chegado ali. Marcos contou-lhe tudo, não teve vergonha.
    - Que trogloditas! Tudo vai ficar bem agora, e comece a dar um jeito na sua vida. Tive problemas com minha família também... – O olhar da enfermeira de repente havia ficado triste e profundo, como se estivesse relembrando – Mas aqui estou, estudei muito, e mudei meu passado. Comece mudando de trabalho. Minha mãe tem uma lojinha de roupas, posso pedir a ela que lhe de uma chance. O que acha?
    -Está falando sério? – Quase caiu da cama ao sentar rapidamente, seu olhar brilhou de esperanças. – Se estiver, saindo daqui vou direto falar com ela. Vou me esforçar e dar meu melhor para que ela não se arrependa!
    - Claro que estou! – Ela havia terminado de arrumá-lo no quarto e dirigiu-se a porta. – Ás vezes, o que nos falta são oportunidades. Eu sei que não vai nos desapontar.
    -Muito, muito obrigado!
    - A propósito, alguém pagou sua estadia aqui no hospital, e não quis ser identificado. Tem idéia de quem seja?
    - O que? Alguém pagou minha conta? Pensei que eu tivesse sido atendido pelo serviço público – Estava realmente confuso agora.
    - Não meu querido, privado. Se dependesse do público, você estaria na maca em um corredor qualquer. Desculpe-me a pressa, tenho que atender os outros pacientes. – acenou ao garoto e fechou a porta ao sair – Nos vemos mais tarde!
   

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